O que a plataforma Human.Online pode ensinar sobre humanização para os produtos digitais

Cristiane de Azevedo
8 min readMay 7, 2020

Em meio a essa pandemia e às mudanças compulsórias trazidas e aceleradas por ela, a visão do sociólogo Domenico De Masi, em entrevista a TV Cultura é como se o todo planeta estivesse frequentando o mesmo curso de formação intensiva no qual estamos aprendendo que o que acontece em uma parte do mundo, ecoa imediatamente nas outras partes. “A mudança principal é que pela primeira vez, os seres humanos não se sentem ameaçados por outros seres humanos. Hoje estamos todos juntos contra três inimigos em comuns: o aquecimento do planeta, a desigualdade social e o vírus. São os três inimigos de toda a humanidade”, ele considera que a Humanidade sairá melhor dessa crise.

O Sociólogo ainda explica, que cada indivíduo é portador de dois tipos de necessidades, as quantitativas, coisas que precisamos que podemos chamar de possessões, e em seguida temos as necessidades qualitativas, necessidades de introspecção, amizade, amor, brincadeiras, beleza e sociabilidade e neste isolamento social, se pensa muito mais nas questões de amizade, no amor e sociabilidade, portanto sobre este aspecto o isolamento está nos fazendo melhores.

Diante das considerações acima e algumas certezas do nosso contexto, algumas motivações me levaram a desenvolver esse artigo. Como será o movimento pós pandemia, quais serão os impactos nas nossas relações e convívio social e como os aprendizados e experiências vividas irão mudar nosso comportamento e como isso vai impactar nas relações dos usuários com os produtos digitais?

Produto Digital

O especialista em gerenciar produtos digitais, Roman Pichler, explica que um produto é algo que cria valor específico para um grupo de pessoas, clientes e usuários e para a organização que o desenvolve e fornece (figura abaixo).

Texto e Imagem: https://www.romanpichler.com/blog/what-is-a-digital-product/

O primeiro objetivo é alcançado resolvendo-se um problema — pense na pesquisa do Google ou no Bing, que lidam com o desafio de encontrar informações na Internet — ou fornecendo um benefício — veja o Facebook, que permite que as pessoas mantenham contato com familiares e amigos.

Para o negócio, o valor está na receita que o produto traz, como o Microsoft Office e o Adobe Illustrator, na ajuda que provém para vender outro produto ou serviço, como no caso do iTunes e do Google Chrome, ou no aumento da produtividade e redução de custos, como desenvolvimentos internos realizados por times de TI.

Encontrar um problema que valha a pena resolver — ou um benefício que as pessoas não gostariam de perder depois de experimentarem — e descobrir um modelo de negócios viável são dois pré-requisitos fundamentais para oferecer um bom produto com êxito.

Experiência do usuário

A experiência do usuário , finalmente, surge quando as pessoas interagem com um produto. Portanto, não é o produto . Embora a aparência e a funcionalidade do produto possam desencadear uma experiência específica — pense em sites de carregamento lento, menus complexos ou mensagens de erro enigmáticas que podem testar a paciência confundir os usuários -, é importante reconhecer que a experiência que as pessoas têm é igualmente determinada pelo seu estado de espírito.

Se estou estressado, chateado ou zangado, fico muito mais excitado ao experimentar um site de carregamento lento, por exemplo, do que quando sou normal. Devemos fazer todo o possível para oferecer uma experiência agradável ao usuário, mas não podemos fazer com que as pessoas experimentem o produto de uma maneira específica. A figura abaixo ilustra a diferença entre a experiência do usuário e o produto.

Texto e Imagem: https://www.romanpichler.com/blog/what-is-a-digital-product/

Human.Online

Em uma das incontáveis lives a que assisti, soube da existência da plataforma Human.online. Simples assim. O nome já chamou minha atenção e a proposta mais ainda.
O que eu sabia até ali? Sua proposta é conectar, de forma sincera e sem artifícios, duas pessoas de qualquer parte do globo. Inquieta e curiosa que sou, fui vivenciar a experiência. Durante um minuto, diante da câmera de seu computador ou smartphone, você se posiciona e olha nos olhos de alguém, sem palavras, sem gestos ou quaisquer outras formas de expressão que não seja seu rosto. Me conectei e logo depois de uma, duas, algumas sessões, pensei: “Isso é incrível. Preciso compartilhar com outras pessoas”.

Nestas primeiras conexões, surgiram algumas questões:

O momento que estamos vivendo tem sido percebido como uma oportunidade transformadora para sermos mais empáticos com o outro?

Em que medida a qualidade das nossas relações e o tempo que dedicamos ao outro sofre os impactos da sociedade atual?

Este é um dos mais poderosos exercícios de empatia que pude experimentar. Como medir? Como criar indicadores e aferir resultados? Quais métricas são possíveis e o que elas podem revelar?

Aí começaram uma série de reflexões. Para avaliar nossas métricas de sucesso estabelecemos uma série de indicadores, não é mesmo? Isso vale para medir o êxito de nosso planejamento estratégico, assertividade nas abordagens, qualidade das entregas, crescimento, engajamento e conversão nos diversos canais on e offline, satisfação dos usuários, lealdade/fidelização, churn rate e por aí vai.

Seja qual for a atividade ou o grau de complexidade, somos pautados e orientados pelos KPIs (Key Performance Indicators ou Indicadores-Chave de Desempenho), ou, se preferir, os KSIs (Key Success Indicators, Indicadores de Sucesso). Isso todo mundo faz ou deveria fazer, sabendo ou não.

Quando falamos de tangíveis esse campo está mais mapeado, com parâmetros comparativos, metodologias e ferramentas, certo? É lindo poder inserir ou simplesmente extrair dados para análises. Mas e quando estamos falando de intangíveis? Fica permeando a inquietude: como “capturar” os intangíveis?

Comecei, sem nem perceber, tentar, de alguma forma, identificar e entender padrões, tipos de reação, usos da plataforma e o que poderia ser observado a partir desse experimento para construir reflexões e novas percepções com o potencial de aprimorar meu trabalho.

Depois de mais de uma dúzia de diálogos silenciosos com estranhos, percebi que minha amostragem seria insuficiente para concluir algo relevante. Então, resolvi convidar outros profissionais como voluntários para o experimento. Meu objetivo passou a ser decodificar essas interações e estabelecer um drive para iniciarmos o experimento.

Premissas definidas para que o experimento tivesse o mesmo drive para todas as conexões:

Cada voluntário deveria participar como um usuário qualquer;

Seria necessário se conectar com 25 outros usuários;

Nas conexões, seguir à risca as orientações da plataforma: ficar em silêncio, evitar gestos e estar presente e disponível;

Deveriam permanecer o tempo integral de 1 minuto (pré-programado pela plataforma), sem nunca interromper ou desligar;

Ao final da conexão, sempre enviar o agradecimento (uma opção fornecida pela plataforma);

Tabular todos os dados em uma planilha.

Durante um final de semana, essa inquietude se transformou em um experimento de conexão com 180 pessoas.

Dados Macros do Experimento:

Analisando os dados macros do experimento, foi identificado pelo menos dois indicadores de sucesso (KPI’s) para estas conexões humanas:

Tempo de permanência na conexão
Agradecimento pela conexão

Analisando os dados, há dois grupos de comportamentos nas conexões:

Grupo com interação dos usuários - 64% das conexões
Grupo sem interação dos usuários - 36% das conexões

Analisando e cruzando os resultados dos grupos com interação e sem interação com os KPI’s mapeados para o experimento, observamos que o grupo sem interação apresentou maiores indicadores de satisfação em relação ao grupo com interação. Tiveram 10 p.p. a mais nas conexões com duração de um minuto e 14 p.p a mais em agradecimento as conexões.

Algumas Reflexões sobre os Indicadores de Sucesso nos Produtos Digitais

Como os produtos digitais estão se conectando com o humano e quais indicadores podem traduzir uma conexão intangível?

Alguns indicadores são utilizados como métricas de satisfação dos usuários como NPS — Net Promoter Score é uma métrica de lealdade do cliente criada por Fred Reichheld em 2003 e traduz um indicador relacional do usuário com a marca/produto, outro indicador bastante utilizado para metrificar a satisfação é o Thumbs Up/Thumbs Down que traduz a satisfação do usuário ao completar um processo ou ação na jornada do produto.

Cabe a nós, Products Managers, aprender a olhar também para pessoas, suas experiências e emoções ainda há muito o que fazer para mapeá-los e entendê-los com maior profundidade. O conceito de valor nos produtos digitais está cada vez mais pautado justamente nesses ativos e é nessas horas que o fator humano precisa mostrar a que veio. Será que boa parte de nossos resultados mensuráveis não depende justamente desses fatores?

Depoimentos sobre o Experimento

“Este é um experimento muito interessante e ficamos entusiasmados em lê-lo. É muito interessante também saber que as pessoas que se conectavam em silencio e não usavam nenhum sinal ou gestos permaneceram por mais tempo e ficaram mais gratas. Poderíamos então dizer que essas foram conexões mais profundas e que o sentimento de gratidão esteve mais presente?

Conectar-se ao “human.online” é algo novo e diferente. Não estamos acostumados a nos conectar em silencio e simplesmente não fazer nada, mas quando as pessoas tentam, descobrem algo novo, sua atenção muda do “raciocínio” para o “sentimento” e nessa retroalimentação frequentemente afirmam que sentiram alegria, tranquilidade e uma sensação de estar juntos entre outros.”

Felipe Caballero, Co-Founder Human.Online

Reservar um tempo para conectar-se profundamente com pessoas de diferentes lugares, etnias, idades e motivações foi uma experiência enriquecedora.

Olhar no fundo dos olhos de alguém, buscando se doar e dividir o silêncio, me fez refletir sobre como estamos cada vez mais vivendo no modo automático. A pressa, o estresse e a cobrança extrema passam a fazer parte da rotina, nos tornando pouco conscientes do momento presente.

O tempo investido no experimento me ajudou a refletir sobre minha família, meus amigos. E ainda me fez lembrar que cada pessoa tem uma trajetória única e que um olhar acolhedor ou um sorriso podem mudar o dia de alguém.

Vanessa Medeiros, Head de Produto da BizCapital e voluntária do experimento

Como profissional, o que eu aprendi com o experimento é que o usuário vai usar seu produto como for melhor para ele, apesar ou à revelia das suas instruções. Estes são os melhores feedbacks que você pode receber para melhorar seu produto ou construir outros.

Como ser humano, o que eu aprendi é que a conexão só é real se há intenção e linguagem comum. A afinidade mútua só ocorreu quando uma pessoa entrou na frequência da outra, ou quando ambas encontraram o caminho do meio, seja ele com interações ou apenas olho no olho.

Camila Spricigo, Product Manager e voluntária do experimento

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Cristiane de Azevedo

Group Product Manager na Leroy Merlin. Líder em otimizar produtos e resultados, apaixonada por pessoas.